MATO GROSSO

Violência psicológica causa danos morais e pode ser enquadrada e julgada como lesão corporal

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O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), por meio da Coordenadoria Estadual da Mulher (Cemulher), realizou na sexta-feira (25 de agosto), o curso de capacitação “Violência psicológica contra a mulher: aspectos criminais e desafios na identificação e prevenção”. Participaram profissionais que compõem redes de enfrentamento à violência doméstica e familiar de todo o Estado.
 
“Violência psicológica contra a mulher: dano emocional e aspectos criminais” foi o tema da palestra ministrada pela juíza do Poder Judiciário de Santa Catarina, Ana Luísa Schimidt Ramos. Ela, que também é psicóloga, escreveu um livro com o mesmo nome da palestra.
 
A juíza titular da 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar, Ana Graziela Vaz de Campos Alvez Corrêa, a procuradora do Estado e presidente da Comissão da Mulher da OAB-MT, Glaucia Amaral e a promotora de Justiça, Elisamara Vodonós Portela, participaram do painel realizado após a palestra.
 
O crime de violência psicológica contra a mulher já era previsto na Lei Maria da Penha, mas só foi detalhadamente tipificado ao ser inserido no Código Penal pela Lei 14.188/2021, por meio do artigo 147B. Essa lei também criou um tipo específico para a “lesão corporal praticada contra a mulher em contexto de violência doméstica ou familiar, ou por razões do sexo feminino” no artigo § 13º do artigo 129 do Código Penal. O crime é previsto sob a perspectiva de identidade de gênero.
De acordo com a magistrada, a violência psicológica é uma das formas de abuso mais comuns, e a mais sutil, no contexto doméstico e familiar. Ela é confundida com aspectos culturais e as pessoas acabam romantizando algumas ações de controle que o agressor faz com a vítima como ciúme exacerbado, controle e isolamento, como prova de cuidado e amor.
 
A magistrada disse que o crime que trata a violência psicológica é a lesão corporal e o mecanismo para identificar os danos emocionais é a perícia psicológica. “Enfatizo a necessidade do pedido da perícia psicológica. Como provar os danos emocionais? Pelo diagnóstico de estresse pós-traumático, CID 10, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), que diz que dentro das diretrizes, o estresse é originado nas ações que ocorrem na vida da pessoa.
 
A depressão e ansiedade podem ter causa ou não, o estresse pós-traumático é resultado de uma sucessão de causas. Esse é o parâmetro. O conjunto de sintomas provenientes de abuso psicológico, que podem ser diagnosticados pelo psicólogo, psiquiatra e até neurologista. Jamais um juiz numa audiência vai dizer isso sem laudo. Por isso a importância da perícia psicológica.”
 
“É importante que as delegacias tenham a escuta do que a vítima está narrando. O delegado tipifica lesão corporal, mas como não deixou marcas, vira “vias de fato”. Precisamos ter o olhar da dimensão mental do que afetou aquela mulher. Tem que ter escuta e acolhimento. No Brasil, 53% das mulheres mortas, morreram dentro de casa. O lugar mais perigoso para a mulher no Brasil é dentro de casa”, afirmou a juíza.
 
A procuradora Gláucia Amaral afirmou que o desafio especialmente em relação à questão da violência psicológica é fazer treinamentos e conversar com quem está nas delegacias. “Vivemos num estado com pensamento extremamente machista e que quando se discute lesão corporal e se fala no feminicídio ainda se questiona a vitima. O que dirá quando estamos falando do que não é palpável, só perceptível. Mesmo a agressão física, qualquer que seja vinda de quem a mulher confia, por si só já causa um dano nessa mulher. E ela precisa ser assistida neste momento.”
 
Abuso psicológico – Ana Luísa disse que mesmo que não se configure o crime e não chegue a causar dano emocional, a violência psicológica existe e garante medida protetiva. “Os atos de controle e de diminuição da autoestima existem e embora não seja crime, permite que a mulher receba medidas protetivas de urgência. Independem de um crime ou processo criminal. Se ela relatar isso, ela pode receber as medidas protetivas, por exemplo, de afastamento do agressor do lar”, explica.
 
“A principal estratégia do agressor psicológico é isolar a mulher, fazer com que o mundo dela seja a vida a dois, o mundo do casal. Isola essa mulher do contato com parentes, amigos, de ter alguma vida social. Confisca ou controla o celular, o dinheiro, impede a mulher de trabalhar ou tem algum tipo de comportamento que se torna difícil para ela sair do relacionamento abusivo”, esclarece a palestrante.
 
Perícia psicológica em Mato Grosso – Atualmente a Politec (Perícia Oficial e Identificação Técnica) dispõe de cinco médicos legistas psiquiatras hábeis a fazer o laudo de perícia psicológica. Eles trabalham em regime de plantão, 24 horas, todos os dias.
 
De acordo com o médico perito, psiquiatra da Politec Pedro Balata, o laudo dá mais respaldo jurídico às vítimas. “A partir de uma avaliação de dano psicológico, consegue-se trazer mais elementos na fase de inquérito e depois processual”, afirmou.
 
Ele explicou que pessoas submetidas a traumas e relacionamentos abusivos podem desenvolver um padrão repetitivo, porque a arquitetura cerebral se modifica e passa a entender a violência como algo natural. A pessoa passa a perseguir aquele padrão de comportamento. “Então algumas mulheres submetidas ao quadro de abuso podem se tornar um “quadro de ciclo da violência da mulher”, como chamamos, onde ela entende que aquele modelo de vivência é algo tão natural que a mente não consegue sair daquilo, porque já condiciona aquela vida como algo normal.”
 
A pessoa então precisa buscar ajuda psicológica ou psiquiátrica. Se ela não tem a percepção de que esse padrão de comportamento é algo inerente nela, ela pode perpetuar o ciclo de violência. Mas isso não é uma regra. Por isso ele explicou que é importante o acompanhamento médico para que aquele dano emocional, transtorno ocasionado não possa se perpetuar.
 
O perito médico ressaltou a importância de programas estabelecidos pelo poder público para a criação de redes de apoio e assistência a essa mulheres. “Não adianta identificar o abuso e a violência sem dar opção para que as mulheres possam romper os ciclos. E quando falamos mulheres estamos falando de toda uma família, crianças, pessoas que naquele ambiente familiar estão submetidos a esse tipo de padrão. Então, é importante criar rede de apoio, assistência para que essas mulheres ao se depararem nessa situação de abusos e violência podem ter assistidas as suas demandas.”
 
A juíza titular da 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar, Ana Graziela Vaz de Campos Alvez Corrêa, contou que aconteceu de amiga, vítima de violência doméstica, tirar a própria vida. “Ela declarava, relatava a violência doméstica e o delegado não colocava ou se colocava o Ministério Público pedia o arquivamento. Tem o enunciado de que quando a vítima fala não precisa de perícia, tem precedente não precisa de perícia, basta a palavra da vítima, mas é muito delicado, muito complicado pra condenar sem laudo”, explica.
 
Ana Graziela contou que dias atrás fez uma audiência e “não sabia se abraçava a vítima ou se abraçava a assessoria”, pela emoção causada pelo relato de sofrimento. “A gente tem que ser firme e segurar o relato da vítima. Pedi para fazer uma perícia indireta com o pouco documento que tinha (do processo).”
 
E concluiu que “se no interior do estado tiver algum caso assim, manda para o IML de Cuiabá. Nós temos psiquiatras. Antigamente nós tínhamos um psiquiatra para o estado inteiro. O réu queria fazer prescrever o crime e falava que era louco porque sabia que ia demorar cinco anos pra fazer uma perícia. Hoje nós temos plantão de psiquiatras no IML e o delegado verificando a situação já encaminha a vítima para a perícia”.
 
O evento – Foi realizado em alusão ao mês em que foi promulgada a Lei Maria da Penha, que completa 17 anos em 2023. O objetivo do evento é rever questões relacionadas ao campo do psicológico da vítima de violência doméstica, com a finalidade de ampliar conhecimento e discussão do tema, visto que o Brasil está nos índices de países com maior número de violência contra mulheres.
 
O evento teve o apoio da Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis) e visou também, desenvolver uma das ações delineadas dentro do planejamento de 2023, em cumprimento ao objetivo macro da Cemulher dentro do “Plano de Diretrizes e Metas – Gestão 2023-2024 – Fortalecer as ações de enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher”.
 
#ParaTodosVerem – Esta matéria possui recursos de texto alternativo para promover a inclusão das pessoas com deficiência visual. Imagem 1: A foto mostra, em panorama, o palco e parte da plateia de costas. Em cima do palco, do lado esquerdo estão três bandeiras: do Estado, Brasil e Cuiabá. Ao centro está o telão onde se lê um trecho da Lei 14.188/2021, com o título Bem Jurídico Penalmente Tutelado: A saúde mental da mulher. Do lado esquerdo do telão, sentada, está a promotora de Justiça, Elisamara Vodonós Portela, uma mulher branca, cabelos médios, loiros e lisos, vestida com um macacão cor de rosa escuro. Do lado direito do telão, estão sentadas a juíza Ana Graziela, uma mulher branca, de cabelos loiros e lisos, na altura dos ombros e vestida de preto, e a procuradora Glaucia Amaral, uma mulher morena, com cabelos pretos e lisos e vestida com terno preto e camisa cor de rosa. Enfeitando o palco, no chão, estão dois vasos com samambaias e um com flores cor de rosa. A palestrante está perto da plateia, segurando e falando ao microfone. Ela é uma mulher alta, loira, cabelos na altura dos ombros, lisos. Veste camisa azul claro e saia cinza. Foto 2 – A procuradora Glaucia Amaral está em pé e fala ao microfone. Sentada, à sua esquerda, está a juíza Ana Graziela olhando para ela.
 
  
Marcia Marafon/ Fotos: Alair Ribeiro
Coordenadoria de Comunicação da Presidência do TJMT
 

Fonte: Tribunal de Justiça de MT – MT

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