ECONOMIA
Ameaçada, autonomia do Banco Central completa 2 anos; merece parabéns?
Publicado em
10 de fevereiro de 2023 - 07:16por
Da RedaçãoEm meio a críticas do governo , a autonomia do Banco Central (BC) completa dois anos nesta sexta-feira (10). Nesse período, o BC elevou a taxa básica de juros (Selic) de 2% para 13,75%, fazendo do Brasil o país com os maiores juros reais do planeta e mesmo assim descumpriu a meta de inflação duas vezes consecutivas. A medida é adotada por diversos países e visa blindar as decisões da política monetária de interferência política, para isso, institui mandatos de 4 anos para o presidente do BC, que intercalam com as eleições para Presidência da República, podendo ser prorrogados por mais 4 anos. Dessa forma, o presidente Lula só poderia indicar um nome para o lugar de Roberto Campos Neto, atual presidente da instituição, ao fim de 2024. Ao justificar a necessidade de independência, o BC afirma que a “política monetária requer um horizonte de longo prazo” e que “o ciclo político possui um horizonte de prazo mais curto”. Com a primeira troca de presidentes após a sanção da lei, os atritos já começaram. Além de ataques públicos de políticos da base aliada ao governo e do próprio presidente Lula, o PSOL editou um projeto de lei com o objetivo de revogar a autonomia da autoridade monetária. No centro do embate está a taxa de juros. Para Lula e integrantes do PT “não há justificativa” para a manutenção da Selic em 13,75%. Na visão dos críticos, Campos Neto seria aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e estaria trabalhando contra o governo. Gleisi Hoffmann, presidente do PT, por exemplo, endossou críticas à atuação da autoridade monetária e disse que o BC age como “a última trincheira do bolsonarismo no poder”. O ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, no entanto, afirmou nesta quarta-feira (8) que não existe discussão interna no governo federal para mudar a autonomia do Banco Central. Mas Lula sugeriu que está a cargo do Senado a destituição, ou não, do presidente Campos Neto. Valter Palmieri Jr., economista doutor em Desenvolvimento Econômico pela UNICAMP, lembra que Campos Neto foi uma indicação política e se envolveu em polêmicas como a consulta a bancos privados sobre a taxa de juros e estar em grupos de mensagens com ministros do governo Bolsonaro. “Ele não é uma pessoa de carreira do BC, alguém técnico, ele foi escolhido pelo (ex-ministro da Economia) Paulo Guedes para defender os interesses do então governo e, desde então, atua mais preocupado em atender os interesses do mercado financeiro do que em crescimento da economia”, avalia. A lei que define as atribuições do Banco Central diz que a instituição tem como objetivo fundamental a estabilidade de preços, mas também precisa “zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”. Na avaliação de Palmieri Jr., a política de juros atual é incoerente com a legislação, já que a Selic elevada desacelera a economia e impede a geração de empregos, como preconiza a lei. Para Cristina Helena Pinto de Mello, Economista com Doutorado em Economia de Empresas pela FGV, a autonomia do Banco Central representa “maturidade” das instituições quanto à política monetária, mas ela ressalta que a autonomia não pode significar independência. “O fato do Banco Central ter autonomia operacional não garante independência da política pública, ele é parte da política econômica”, reforça, adicionando que o BC precisa ter como compromisso a tentativa de reduzir os juros. “A gente precisa olhar para o custo do financiamento se quisermos crescer economicamente. Além de perder competitividade, o governo gasta só com juros da dívida o equivalente a 25% das despesas totais da União. Se os juros fossem zerados, permitiriam uma expansão expressiva dos gastos públicos, que poderiam ser investidos em infraestrutura, em saúde pública ou em educação”, comenta. A forma como o presidente Lula deseja reduzir os juros, no entanto, é equivocada na visão da economista, pois interfere na autonomia do BC e mostra falta de repertório, já que existem outros instrumentos para reduzir inflação e alavancar a economia. “É preciso saber se ao reduzir a Selic você de fato não tem demanda, porque, caso contrário, você penaliza os mais pobres com aumento da inflação”, ressalta. “Você não pode matar o paciente para acabar com a febre”, compara. Palmieri Jr. enfatiza que há espaço para queda da Selic, pois a inflação brasileira não é de demanda, e sim de fatores conjunturais que afetam o mundo todo, como preço de commodities afetadas pela Guerra da Ucrânia. “É uma inflação de custos de uma economia pós-pandemia”, afirma. “A inflação que prejudica os mais pobres, que é a de alimentos, está o dobro da inflação geral. E o controle desses preços é feito estimulando o aumento da oferta dentro do Brasil. Você subir a taxa de juros não muda em nada no preço do arroz”, diz. Entre outras funções, cabe ao Banco Central, por meio do Comitê de Política Monetária (Copom), definir a taxa Selic, a taxa básica de juros da economia, que é o principal instrumento do BC para combater a inflação. Nesses dois anos, o BC elevou a Selic em 11,75 pontos percentuais, e, mesmo assim, descumpriu a meta de inflação proposta pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para 2021 e 2022. Por si só, este motivo já dá ao presidente da República o poder de exonerar o presidente do Banco Central. Em 2021, a meta era de 3,75%, e seria considerada cumprida se a inflação fosse de até 5,25%. Mas ela foi de 10,06%. Em carta, Campos Neto disse que a inflação de dois dígitos era culpa de um fenômeno global, e citou também o risco fiscal e a crise hídrica. Em 2022, a meta voltou a estourar. Ela era de 3,5%, podendo chegar a 5%. Mas a inflação chegou a 5,79%. Segundo Campos Neto, a culpa foi da inércia da inflação do ano anterior e da alta nos preços de commodities, em especial do petróleo. As metas de inflação fazem parte do “tripé macroeconômico”, adotado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e considerado chave para o bom andamento da economia nacional. Além das metas para inflação, o tripé precisa de câmbio flutuante e superávit primário para funcionar. Para 2023, a meta de inflação é 3,25%, podendo variar 1,5 ponto percentual, ou seja, entre 1,75% e 4,75%. A projeção do IPCA deste ano pelo FMI, no entanto, é de 6,4% para economias emergentes, levantando a possibilidade de novo descumprimento. Segundo a economista Cristina Helena Pinto de Mello, o problema não é o regime de metas em si, e sim o prazo para atingi-las. “Esse prazo de um ano, aliado a uma meta muito restritiva, faz a Selic disparar. Se o tempo fosse maior e você observasse que a inflação está convergindo para a meta, talvez não fosse necessário subir os juros. É como estar numa estrada e ter que dar uma freada brusca, em vez de freadas leves ao longo do caminho”, explica. Para Valter Palmieri Jr., professor de economia monetária, a taxa estipulada pelo BC é “irrealista”, mas uma alteração no plano de metas seria “custosa politicamente”. O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello disse que não está em discussão na pasta para mudar o regime de metas de inflação. Ele ponderou que esse debate acontece mundo afora, mas afirmou que surgiu de forma prematura no país. Procurado, o Banco Central disse que não comentaria os assuntos ou avaliaria o seu desempenho como instituição autônoma. Fonte: IG ECONOMIAEntre no canal do Brasil Econômico no Telegram e fique por dentro de todas as notícias do dia. Siga também o perfil geral do Portal iG
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