anques na Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, em 1968 (wikimedia commons/Wikimedia Commons)
A corrupção só existe em governos civis? Ouvindo os que defendem uma intervenção militar, fica a impressão de que no período da ditadura não teriam existido situações de desvio de recursos públicos ou enriquecimento ilícito. Na verdade, dois motivos principais explicam a sensação de que naquele tempo não havia irregularidades.
Em primeiro lugar, a censura impedia que denúncias contra integrantes do regime viessem a público. Se a população não sabia da existência de falcatruas, era pelo simples motivo de que a imprensa não tinha a liberdade hoje existente para investigar e denunciar. O outro motivo é que, como a sociedade civil estava impedida de se organizar democraticamente, não existiam instrumentos de controle nem órgãos de fiscalização efetiva sobre as ações do governo.
A Comissão Geral de Investigações (CGI) foi um organismo criado pela ditadura, após o AI-5, com o objetivo oficial de combater a corrupção. Foi a responsável por cerca de 3 mil processos, mas seus procedimentos eram secretos. Além disso, se houvesse suspeitas contra militares, seus casos não iam para a CGI eram remetidos a comissões de investigação próprias das Forças Armadas, e não se tem conhecimento sobre o andamento dos processos ou suas conclusões.
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Casos notórios
Com todas essas limitações, ainda assim houve muitas denúncias contra os militares que, como se sabe, deram o golpe tendo como um dos pretextos o combate à corrupção. Foram notórios casos como a operação Capemi (Caixa de Pecúlio dos Militares), empresa dirigida por militares que foi beneficiada na concorrência para explorar madeira no Pará pelo menos 10 milhões de dólares teriam sido desviados em benefício de agentes do Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de inteligência do regime. O fato foi investigado numa Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na década de 1980.
Outro caso emblemático envolveu o grupo Coroa Brastel, conglomerado empresarial conhecido principalmente por sua rede de eletrodomésticos nos anos 1970. Em dificuldades financeiras, a empresa solicitou um empréstimo à Caixa Econômica Federal, em uma operação em que integrantes do regime foram acusados de desviar recursos do banco.
Além disso, são bem conhecidos os casos de superfaturamento na construção da Ferrovia do Aço e os desvios de dinheiro público na construção de grandes obras, como a rodovia Transamazônica, que nunca foi concluída.
Empreiteiras beneficiadas
Várias empreiteiras nacionais estão no centro de escândalos políticos ocorridos nos últimos anos. A prática de favorecer governantes para obter vantagens, no entanto, era comum também no regime militar, e mesmo antes. O historiador Pedro Henrique Pedreira Campos estudou o assunto e publicou um livro a respeito, chamado Estranhas Catedrais As Empreiteiras Brasileiras e a Ditadura Civil-Militar.
Uma das diferenças em relação ao quadro atual, de acordo com o estudioso, é o fato de que no período do regime militar as empreiteiras tinham acesso direto ao Estado e seus governantes, sem precisar recorrer a mecanismos como financiamento de campanha, já que não havia eleições para presidente ou para governadores.
Se antes as empreiteiras se dedicavam basicamente a obras rodoviárias, passaram a diversificar suas atividades para outros campos e também a atuar no exterior. A forte vinculação da Odebrecht com a Petrobras, por exemplo, vem da década de 1950, mas se consolidou no período da ditadura. O crescimento da Odebrecht, que passou de 19ª empresa de maior faturamento em 1971 para a 3ª colocação, em 1973, foi impulsionado nesses anos do milagre econômico. O mesmo ocorreu com outras empreiteiras, como Andrade e Gutierrez, Mendes Júnior e Camargo Corrêa. A forte vinculação com o Estado, que as encarregava de tocar as grandes obras de infraestrutura da época, possibilitou essa ascensão.