“Me sinto realizada e desafiada. Cada vida que chega até mim, é especial e única”, relata a fisioterapeuta Jéssica Araújo Reolon, 26. Há 12 anos, ela viu sua vida mudar quando num acidente de carro perdeu o pai e teve a perna amputada.
Adolescente, precisou lidar com as dores e se adaptar à nova realidade imposta. Hoje, ela trabalha como modelo e reabilita pessoas amputadas para que tenham autonomia, autoestima e confiança para ter uma vida ativa na sociedade.
Ela, que sempre quis trabalhar na área da saúde e ajudar pessoas, estudou e uniu o saber acadêmico com sua experiência para auxiliar pessoas amputadas a terem uma vida melhor, com mais esclarecimento e evitandos desgastes desnecessários.
O que ela não teve, pois não encontrava representatividade ou alguém que pudesse oferecer orientações nesse caminho.
“Tudo que passei me transformou, me trouxe até aqui e eu sou muito grata a tudo. A vida é um presente e merece ser aproveitada. Todos têm um propósito e eu realmente acredito que estou onde deveria estar e que tudo aconteceu como deveria acontecer”, afirma.
Jéssica lembra nitidamente do dia do acidente. Era 2009 e ela viajava para visitar parentes em Ipiranga do Norte (530 km ao Norte). No carro, estava ela, o pai, a irmã, a madrasta e um amigo do pai. Tudo seguia bem até que o veículo caiu em um buraco e bateu contra o poste de alta tensão.
Apesar da batida, todos estavam bem e tentavam sair do carro quando o pior aconteceu. Com a pancada, o poste quebrou, o fio caiu sobre o carro e eles receberam descarga elétrica. A menina estava sentada no banco de trás, do lado esquerdo.
Parte que ficou com em contato com o chão e mais atingida pelo choque. Para que ela sobrevivesse, a perna precisou ser amputada. O pai e o amigo morreram no acidente. Ela, a madrasta e a irmã sofreram sérias queimaduras pelo corpo e passaram por várias cirurgias, além de meses no hospital.
Mesmo consciente no hospital, ela relata que não tinha assimilado a falta de perna. O pior era lidar com a dor da perda do pai.
“A partir do momento em que eu tive alta hospitalar, caiu a minha ficha. Me vi numa cadeira de rodas, sem uma das minhas pernas. Até então, parecia uma realidade paralela, daquelas que você acredita não ser real”, lembra.
Ainda na adolescência, a fisioterapeuta não entendia muito bem o que fazer, não sabia o que era autoestima e teve que se descobrir naquela situação. Por muito tempo ela usou a prótese do Sistema Único de Saúde (SES), mas depois comprou uma mais moderna que possibilitava melhorar qualidade de vida.
Ela se formou em fisioterapia e hoje atende pessoas que, como ela, perderam membros. A fisioterapeuta trabalha em uma empresa de próteses em que foi paciente. Formada em uma universidade particular de Cuiabá, se mudou para São Paulo após o curso.
“Eu reabilito pessoas amputadas. O meu trabalho é tornar um amputado funcionalmente preparado para retornar à vida normal, inserido em sociedade de maneira ativa, exercendo seu papel como cidadão”, explica.
A profissional conta que a rotina é agitada, ela trabalha, malha, estuda, gosta de viajar, estar com amigos e passeios na natureza.
“Usar uma prótese na perna não me impede de ser uma pessoa socialmente ativa. Graças à tecnologia e aos bons profissionais consigo ter conforto e qualidade de vida para fazer tudo aquilo que sinto vontade. Penso que se eu tivesse em quem me espelhar no passado, talvez muitos dos medos e questionamentos de uma adolescente recém-amputada, não existiriam”, avalia.
Além de trabalhar como fisioterapeuta, ela também é modelo. Faz fotos e presença em eventos. A autoestima não é abalada para ausência de uma perna e essa é a mensagem que ela quer passar a quem também é amputado: que a beleza vai além da aparência e que a condição não impede que buscar sonhos e ter uma vida normal.
“É um trabalho que eu faço para encorajar e fortalecer cada vez mais pessoas, não só amputadas, a serem elas mesmas e a se aceitarem como são. É uma ferramenta poderosa a representatividade”, garante.