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Greve afeta alimentação de crianças em bairros pobres da capital de MT

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O impasse envolvendo Governo de Mato Grosso e professores da rede estadual, que, entre outras pautas, reivindicam o pagamento da Revisão Geral Anual (RGA) e um aumento salarial, faz com que a greve da categoria já se arraste há mais de dois meses.

O estômago vazio de alguns estudantes em situação de vulnerabilidade financeira, que muitas vezes têm como única refeição a merenda escolar, tem sido uma das consequências do entrave.

A primeira etapa do loteamento Santa Terezinha, em Cuiabá, possui apenas duas ruas – ambas sem asfalto. Nos fundos de uma delas passa um córrego, responsável pelo cheiro de esgoto que se espalha pelas proximidades. Em um dos barracos improvisados vive L.C.D., de 46 anos.

A mulher, que está desempregada, tem nove filhos, mas apenas quatro deles, com idades entre 15 e nove anos, moram com ela. As crianças estão matriculadas na Escola Estadual Professora Paciana Torres de Santana, no Residencial Coxipó, na Capital, umas das unidades que tiveram o ano letivo interrompido por conta da greve.

L.C.D. contou que as crianças vão para a escola de barriga vazia mais vezes do que ela gostaria. Apesar de ter afirmado que a família não passa maiores necessidades por conta de ajudas externas – como de uma vizinha, da nora e dos filhos mais velhos -, a merenda escolar, muitas vezes, é uma refeição a menos para a mulher se preocupar.

“Ok.,come [a merenda]. Às vezes ele me diz que come até três vezes. As outras já estão mocinhas e não comem sempre. Mas eles vão direto sem comer”, contou L.C.D. enquanto uma das meninas maiores se enroscava na cintura dela.

Questionada, a menor disse que sente falta da merenda e que o dia preferido dela é quando tem macarrão no cardápio.

Há algumas semanas a família está sem dinheiro para comprar gás de cozinha. Prova disso é uma fogueira improvisada e uma panela vazia com o fundo escurecido pela fuligem do carvão. Do lado de fora, pratos vazios, talvez da última refeição, ocupam uma mesa de madeira.

“A casa está assim bagunçada porque acordei agora, vocês me pegaram desprevenida”, justificou L.C.D..

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Recentemente uma nova moradora se mudou para a casa ao lado do barraco da família. Apesar de não tem laços profundos de amizade, já que ela se mudou a pouco tempo, L.C.D. conta que a vizinha sempre ajuda com pratos de comida entre os horários de uma refeição e outra.

Há algum tempo eles contavam com uma ajuda do Bolsa Família, programa de assistência do Governo Federal para a combate à pobreza, porém, o benefício foi cortado porque L.C.D. perdeu uma das documentações necessárias para a renovação.

No total cerca de R$ 180 eram disponibilizados à família. Uma cesta básica custa, em média, R$ 120.

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L.C.D. relatou que muitas vezes prefere deixar de se alimentar para que os filhos consigam comer. “Já fiquei tanto tempo sem comer que não sinto muita fome. Fico dois dias sem sentir vontade de comer. Como um pão e parece que comi um ‘boi’. Tanto faz eu comer ou não”.

Atualmente os irmãos mais velhos mantêm a alimentação das crianças menores, já que a mãe, que trabalhava em uma pizzaria, não conseguiu um novo trabalho. Não por falta de tentativa, já que L.C.D. diz ter andado muito em busca de um emprego.

“Eles [os empregadores] deviam devolver nossos currículos quando não têm interesse em contratar. Gastei ‘uma grana’ para imprimir currículo. Eles pegam e depois jogam no lixo. Devia existir um projeto, alguma coisa, para devolverem [os currículos]”, avaliou.

Atraso das aulas

A mulher também se preocupa com falta de aulas por conta da greve. Durante a conversa com a reportagem, ela afirmou várias vezes que gostaria que os filhos estudassem para terem acesso a “uma vida melhor”.

As crianças, por sua vez, relatam à mãe o desânimo para irem à escola. Falta de recursos e filas intermináveis na hora da merenda – que muitas vezes fazem com que eles percam a chance de conseguir um prato de comida, se unem ao bullying sofrido pelos menores.

“Eles me contam que não querem ir para a escola porque tal pessoa ficou fazendo piada sobre eles, dizendo que eles moram na beira do córrego para ofender. “Moro mesmo”. Sempre falo que é isso que devem responder. Parece que isso atrasa eles também”, disse.

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L.C.D. não teve acesso aos estudos, tentou completar a educação básica já durante a vida adulta, porém teve que interromper a ida às aulas por conta da necessidade de trabalhar. Optou pela Escola Estadual Paciana Torres de Santana para que os filhos não tivessem que se arriscar em longas viagens de ônivus até o Centro de Cuiabá.

“Tenho medo de não saberem voltar, é muito perigoso”, conta.

Necessidades básicas

Naquela manhã, quando Cuiabá chegou a registrar temperatura de 16ºC, L.C.D. batia os dentes enquanto falava da falta de roupa de frio para as crianças. “Dou um jeito, recebemos algumas doações. É difícil, mas acho que minha missão era ser mãe, deixo meus ‘bichinho’ protegidos”, afirmou.

A proteção da matriarca, que ressaltou a todo momento o amor pelos filhos, pode ser observada pela reportagem quando uma – dos nove netos, apareceu no colo da mãe. Empacotada em diversas camadas, a menina de dois meses se aninhava entre as mantas e, com os olhos esbugalhados, parecia tentar enteder o que estava acontecendo.

“Ela ainda não entende a vida que levamos, ‘tá’ olhando, viu?! ‘Tá’ tentando descobrir”, dizia a avó orgulhosa enquanto embalava a bebê.

L.C.D. contou que muitas vezes as crianças pedem por um alimento diferenciado, como bolachas ou iogurte, brinquedos, roupas, sapatos e, nos desejos mais íntimos, celulares para criar uma conta no Facebook.

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“Uma vez a J. [de 15 anos] me pediu uma calça, porque as meninas estavam usando. Ela queria uma calça de cós alto. Dei meu jeito e consegui comprar para ela, custou R$ 45”, lembrou.

A dureza da vida parece ser refletida nas feições da mulher. Algumas vezes os olhos ensaiam se encher de lágrimas, mas ela logo se recupera e se apressa em dizer que “vive de boa” ou que “minha única preocupação são as crianças”.

Os filhos parecem passar à frente das necessidade de L.C.D.. Talvez seja o famoso instinto materno tão falado nas histórias. Quando questionada sobre sua saúde mental, diz não se preocupar com isso, porém gostaria que as filhas tivessem acesso a um psicológo.

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“Se tive depressão alguma vez não deu tempo de sentir direito. Sempre fui sozinha nessa vida, não tenho nem tempo para sentir essas coisas. Só posso acreditar e esperar que as coisas melhorem. A situação financeira que temos agora é horrível”, desabafou.

As crianças também passaram um exame oftamológico – conseguido com muito sacríficio por uma das filhas mais velhas de L.C.D.. O orçamento assustou a mulher: os três óculos não devem sair por menos de R$ 1 mil.

Dinheiro que só existe nos melhores sonhos de L.C.D.

“Tem uma que reclama que não consegue enxergar direito. Mas não tenho como comprar esses óculos”, contou.

Outra preocupação de L.C.D. é com relação aos “sorrisos” dos filhos. A família não consegue acesso gratuito a um dentista e alguns dos menores reclamam de dores nos dentes.

Sonhos

Em frente ao barraco improvisado, que a mulher contou ter construído sozinha, assim como tudo que já teve de fazer durante os 46 anos de vida, uma construção inacabada representa muito mais do que tijolos e cimento. O sonho de L.C.D. era conseguir construir “quartos cor de rosa” para as meninas.

“Eu mesma estava fazendo, meu filho me ajudava também. Mas o dinheiro foi acabando e ficou desse jeito”, disse.

Quando chove, o barraco que fica a poucos metros do córrego inunda. Certa vez ela contou ter acordado durante uma chuva com as crianças “boiando” em cima dos colchões.

Apesar do dinheiro curto, L.C.D. contou que procura manter a felicidade em meio a casa cheia de crianças, que ela diz serem a “alegria” do local enquanto as aperta em um abraço. A paixão pelas plantas que enfeitam a casa simples da mulher também são um dos alívios diários.

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“São fases, né? Um dia bom, outro ruim. Assim vamos indo”, falou.

Fonte: Mídia News

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