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Taxa rosa: por que as mulheres pagam mais caro pelos mesmos produtos?

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Apesar do nome, a chamada 'taxa rosa' não se trata de um imposto, mas sim da prática do mercado de aplicar valores mais altos em produtos para o público feminino
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Apesar do nome, a chamada ‘taxa rosa’ não se trata de um imposto, mas sim da prática do mercado de aplicar valores mais altos em produtos para o público feminino

Você pode até nunca ter ouvido falar em ‘taxa rosa’, mas com certeza, já deve ter escutado por aí que “ser mulher custa mais caro”. Brinquedos, roupas, calçados, produtos de higiene e de beleza e até cortes de cabelo… Será que nós mulheres realmente somos mais consumistas ou simplesmente pagamos preços mais altos? Apesar do nome, a chamada ‘taxa rosa’ (do inglês, ‘pink tax’) não se trata de um imposto. Trata-se, na verdade, da prática do mercado de aplicar valores mais altos em produtos cor-de-rosa ou com embalagens pensadas para atrair o público feminino.

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Um levantamento divulgado pela ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) em 2018 revelou que os produtos destinados às mulheres são, em média, 12,3% mais caros do que as suas versões “masculinas”. Só em vestuário, elas pagam 17% a mais; esse percentual chega a 23% no caso de roupas para bebês/crianças. Itens de higiene (4%), brinquedos (26%) e cortes de cabelo (27%) também apresentaram diferença.

As mulheres são 51% da população do país, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ainda assim, elas são responsáveis pelas compras em 96% dos lares brasileiros. Os principais gastos são com bens de consumo (21%), seguidos por despesas do lar (12%), serviços de comunicação (11), transporte (9%), saúde (8%) e educação (7%). No e-commerce , o público feminino representa 56,9% dos consumidores, de acordo com relatório da NielsenIQ|Ebit, em parceria com a Bexs Pay.

A advogada Letícia Dias Correa, do escritório LBS Advogadas e Advogados, explica que essa diferença possui origens históricas. “Quando a gente fala sobre questões que reforçam estereótipos, a gente precisa olhar para trás. Com a Crise de 1929, os empresários precisavam atrair os homens para os mercados. E para isso, começaram a fazer preços competitivos, deixando os preços dedicados aos produtos masculinos lá embaixo”, conta.

Nós fizemos o teste*

O iG Delas fez o teste e comparou preços de medicamentos, brinquedos, roupas, itens de higiene e material escolar destinados ao público feminino e de suas versões para o público masculino. No site da Lupo, por exemplo, uma calcinha de microfibra para mulher adulta custa R$ 46,90. Já o preço de uma cueca boxer do mesmo material para homem adulto é de R$ 41,90.

Entramos em contato com a marca para pedir explicações sobre os preços dos produtos, mas não tivemos respostas até o momento de publicação desta reportagem.

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O que também chamou atenção foi o preço dos analgésicos. Indicado para dor de cabeça, dor muscular e cólica menstrual, o Ibuprofeno 400mg é mais caro sob os nomes fantasia “Buscofem” ou “Advil Mulher”. Na imagem abaixo, é possível ver as diferenças de preços.

Calcinha, que usa menos tecido, é R$ 5 mais cara do que uma cueca do mesmo material
Captura de tela
Calcinha, que usa menos tecido, é R$ 5 mais cara do que uma cueca do mesmo material

Em nota, a Hypera Pharma, fabricante do Buscofem, disse que “os valores praticados estão de acordo com a regulação brasileira a respeito da precificação de medicamentos, além de levarem em conta fatores como o equilíbrio entre oferta e demanda”.

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Já a Haleon, do Advil, afirmou que “o produto Advil Mulher é comercializado em uma embalagem específica, com número de capsulas diferente de outros produtos da mesma família de medicamentos”.

“Vale ressaltar que o preço da dose (cápsula) praticado na saída da fábrica é o mesmo para ambas as versões dos medicamentos de nosso portfólio – Advil padrão, com 8 cápsulas, e Advil Mulher, com 10 cápsulas, ambos a R$ 3,18/cápsula”, completou.

Também consultamos preços em lojas físicas. Em uma loja de departamento na zona leste de São Paulo, uma embalagem azul com duas lâminas de barbear da marca Bic custa R$ 3,89. Ao lado, o mesmo item, mas na cor rosa, é vendido por R$ 4,99.

No setor de papelaria da loja, o preço de uma caixa de lápis de cor com 12 unidades das Princesas da Disney é de R$ 10,90. Pendurada ao lado, a caixa com estampa da franquia Carros custa R$ 9,50. Mas, para sermos justas, vale mencionar que o mesmo produto, mas com embalagem dos personagens Naruto ou Batman, também é vendido por R$ 10,90.

É claro que nada impede que uma menina ou mulher compre um produto na cor azul ou com estampas de super-heróis e quaisquer outros personagens “masculinos”. O que estamos avaliando é o público-alvo dos produtos.


A advogada acredita que os preços diferentes podem levar a consumidora ao engano, por exemplo, pensar que o produto na versão feminina é melhor ou mais indicado para tal finalidade. “A lâmina de barbear é um ótimo exemplo. Um prestobarba masculino custa X, mas um rosa, com toque ‘sedoso’, como eles falam, custa Y, e na verdade, isso tudo é uma grande falácia, porque eles vão ter a mesma função, que é retirar pelos. E o marketing é pensado para que a mulher se encante mesmo, para que ela compre o produto”.

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Mulheres são mais induzidas a comprar

Embora muitos itens tenham o mesmo preço — sobretudo, produtos com estampas de personagens — ou até possam ser mais caros na versão masculina, há mais opções disponíveis no mercado para as mulheres, como mostra a imagem abaixo. Nela, é possível ver as duas versões de shampoo de uma mesma marca. Os shampoos masculinos contêm embalagem na cor cinza.

Prateleira de shampoos tem muito mais opções para o público feminino
Gabrielle Gonçalves/iG Delas
Prateleira de shampoos tem muito mais opções para o público feminino

Em suma, os shampoos para os homens não indicam para qual tipo de cabelo devem ser usados, e muitas vezes, são dois em um (shampoo e condicionador). Enquanto isso, no mercado de cosméticos para mulheres, é possível encontrar produtos para cabelos lisos, cacheados, crespos, com ou sem química, ressecados, oleosos… ou ainda, para hidratação, nutrição, umectação… de abacate, coco, bambu, ácido hialurônico…

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Cara hora surge um novo ativo que se torna “indispensável” na rotina de cuidados com os fios ou com a pele. Nas redes sociais, só se fala disso, todas as influenciadoras estão usando. O desejo de pertencer nos leva a fazer compras impulsivas e ao sentimento de culpa. E quando você finalmente consegue comprar aquele produto, elas mudam para outro…

Mas essa diferença não é exclusiva dos itens de beleza. Basta entrar em alguma loja de fast fashion no shopping, por exemplo, que você encontrará um leque de modelagens de calças jeans femininas: skinny, reta, wide leg, pantacourt, mom etc. No setor masculino, ‘malemá’ encontrará uma calça skinny e outra reta. Isso se você tiver a sorte de conseguir acompanhar todas as tendências que entram e saem de moda a cada temporada…

“E as mulheres não costumam buscar na sessão masculina. Em lojas de departamento, em que um andar tem roupas femininas e no outro, masculinas, é muito difícil que a mulher vá procurar preços no andar masculino. As que vão procurar roupas no setor masculino, geralmente, estão comprando roupas para os namorados ou para os filhos e são as que mais percebem essa diferença”, pontua Letícia Correa.

Mesmo os produtos que não possuem versões “masculinas” pesam no bolso. Os absorventes descartáveis, por exemplo, não são taxados pelo Estado como itens de higiene básica, mas sim como cosméticos. Sua tributação é estimada em 27,5%! Embora haja a isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), ainda incidem sobre eles os impostos federais PIS e COFINS e o estadual ICMS.

Além de pagarem mais caro, as mulheres também recebem menos. Em 2022, a diferença salarial chegou a 22%, informa o IBGE. Isso significa que, no ano passado, elas receberam, em média, 78% do salário de um homem. E ainda: um estudo do Instituto de Justiça Fiscal com dados da Receita Federal mostra que as mulheres têm menos rendimentos isentos e, portanto, pagam alíquotas mais altas sobre a renda, do que os homens.

“Esse sobrepreço não é uma prática ilegal, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor. Mas vai totalmente contra o nosso direito constitucional, do princípio da igualdade, da equidade, de capacidade contributiva, porque se as mulheres recebem menos do que os homens, não faz sentido elas pagarem mais do que eles. Mas são incoerências que estão presentes no nosso dia a dia”, comenta Letícia.

Ela afirma que essa é uma prática que pode ser questionada. O PROCON sugere que os consumidores guardem os recibos e questionem, de fato, as lojas. “O direito em si é formado por lutas. Se ninguém lutar por aquilo, a oferta vai continuar porque tem demanda. Então a gente precisa exigir de fato os nossos direitos e, é no boca a boca, que a gente consegue”.

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A gente pode tomar algumas medidas, explica a especialista. A primeira delas é se informar. “Se a mulher der uma olhadinha no setor masculino, talvez a mesma calça que ela deseja comprar esteja lá, mais barata e com a mesma qualidade, principalmente nessas lojas de departamento. Buscar preços na internet, às vezes, acaba sendo mais acessível também. E também apoiar o empreendedorismo feminino, mulheres que estão do nosso lado, vendem o que a gente precisa e não vão cobrar mais caro porque o produto é rosa”, finaliza.

*produtos pesquisados entre os dias 9 e 13 de abril de 2023.

Fonte: Mulher

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