Na reunião da Comissão de Segurança Pública (CSP) desta terça-feira (25), foi concedida vista coletiva ao PL 1.496/2021, que trata da identificação do perfil genético de condenados. Com isso, a previsão é que o projeto retorne à pauta na próxima semana.
Antes de tentar votá-lo, a CSP fez uma audiência pública sobre o projeto. Na audiência, o senador Fabiano Contarato (PT-ES), o primeiro a pedir vistas, reclamou que o relatório de Sergio Moro (União-PR) à proposta de Leila Barros (PDT-DF) teria “desvirtuado” o objetivo e o foco do texto original.
— A proposta original era positiva. Previa a extração do perfil genético para uma lista definida de crimes graves. Mas o relator amplia a coleta para 2 mil crimes dolosos. O Estado brasileiro tem condições de fazer isso? E, além dos condenados, prevê a extração para presos provisórios ou outras categorias de investigados, às vezes até sem inquérito. O STJ já determinou uma série de restrições para a coleta de dados orgânicos, e deixou claro que ela não é determinante — reclamou Contarato.
Sergio Moro contestou o uso do termo “desvirtuado” usado pelo senador Contarato em relação ao teor de seu relatório. O relator garantiu que o relatório foi enviado a Leila Barros e disse que dialogou com a autora sobre o PL 1.496/2021. O senador Jorge Kajuru (PSB-GO), que presidiu a reunião, comunicou a Contarato que Leila pediu a ele para que se esforçasse pela aprovação do relatório.
Moro disse ter se espelhado no que fazem países como Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia, que têm investido na coleta de dados genéticos visando a solução de crimes:
— Nosso banco de dados nesse campo é muito modesto, o perfil de pessoas sujeitas à coleta. No banco de dados do Reino Unido há 6 milhões de amostras. No banco de dados dos Estados Unidos, 20 milhões, enquanto nosso banco não chega a 191 mil amostras. Mas mesmo sendo limitado, quando houve uma aceleração na coleta do perfil, os resultados começaram a aparecer.
O relator relembrou um caso do Paraná, da menina Raquel Genofre, que desapareceu no caminho de volta da escola para casa, em 2008. Ela tinha 9 anos.
— Dias depois o corpo apareceu na rodoviária, numa mala, um assassinato brutal. Esse crime foi resolvido em 2019 através do Banco Nacional de Perfis Genéticos, porque na implementação do banco foi coletado o perfil genético de um preso em Sorocaba. Recentemente um assalto do crime organizado em Guarapuava [PR] também foi resolvido, foram identificados os autores através do perfil genético, de inserção no banco — disse Moro.
Visão do governo
Representantes de ministérios do governo federal apresentaram ponderações à proposta. Ana Lúcia Castro, do Ministério dos Direitos Humanos, questiona a possibilidade (prevista no texto) de substituição dos peritos por funcionários públicos na coleta de amostras e a possibilidade de contaminação das amostras. Ela também lembra que o STF vem debatendo se a prática seria constitucional ou não, ou seja, uma eventual nova lei sobre o tema poderia já nascer “natimorta”, dependendo do posicionamento do STF. O tema também é eivado pelo debate sobre o direito do cidadão de não se autoincriminar, e a representante do ministério também questiona a possibilidade, existente no PL 1.496/2021, de coletar amostras de condenados sem trânsito em julgado.
Já Isabel Seixas, do Ministério da Justiça, advertiu que a coleta de perfis genéticos não pode ser vendida como uma “panaceia” capaz de resolver a criminalidade no Brasil.
— Isso não adianta muita coisa se a gente não alimentar o banco com os vestígios coletados nos locais de crimes, de pessoas que foram vítimas de crimes sexuais, por exemplo, porque eu não tenho o que cotejar, não tenho o que vincular com o quê. Vai chegar um momento em que vou ter 800 mil perfis genéticos, e a chance de o banco me dar bons resultados é nenhuma, se eu não estiver no mesmo passo, com a mesma velocidade e com o mesmo investimento, inserindo nesse banco os vestígios. É aí que a gente tem o encontro do que eu achei no criminoso, no crime, no local, na vítima, com as pessoas que, supostamente, podem ter sido as autoras do crime — alertou.
Apesar dessa ponderação, Isabel Seixas admite que a coleta de perfis genéticos também é útil para livrar pessoas injustamente condenadas por crimes que não cometeram. Ela cita o Innocence Project, existente nos EUA, que conseguiu a absolvição de pessoas que tinham sido condenadas injustamente devido a erros judiciais. A partir da perícia de DNA, foi comprovado que elas não eram os autores de muitos crimes.
— Seja para um lado que eu olhe, seja para o outro lado, seja para conseguir a condenação, seja para conseguir que a pessoa não seja condenada indevidamente, é de uma questão de direitos humanos que a gente está falando — observou.
Eficaz, mas não infalível
Professor de direito penal na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e vice-presidente da Associação Internacional de Direito Penal, Carlos Japiassú também advertiu o Parlamento e a sociedade de que a coleta de dados genéticos, embora seja um consenso como método válido visando à elucidação de crimes, não pode ser vendida como “panaceia”.
— Não é um método infalível. A literatura contém diversos exemplos onde há falsos-positivos ou falsos-negativos, normalmente por problemas de falhas no método de coleta. E há também o risco de coincidência casual entre dois perfis de DNA. Isso é muito raro, a probabilidade é baixa, mas não é zero, de duas pessoas terem segmentos no DNA idênticos para os locais examinados — alertou o perito.
Já Luiz Spricigo, vice-presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, deixou claro seu apoio ao PL 1.496/2021. Ele também citou o caso da resolução do crime envolvendo a menina Raquel Genofre, acrescentando que a coleta de amostras foi igualmente útil para determinar a inocência de cerca de 80 pessoas que chegaram a ser suspeitas e investigadas de terem cometido o crime.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado