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Bonecas de pano de artesãs ajudam no combate ao abuso sexual infantil

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As bonecas do Sonhos de Helenas resgatam a tradição do brincar das avós, mas ganharam propósito educativo para proteger contra o abuso sexual infantil
Instagram/Reprodução
As bonecas do Sonhos de Helenas resgatam a tradição do brincar das avós, mas ganharam propósito educativo para proteger contra o abuso sexual infantil

Conhecidas como símbolos do imaginário infantil de gerações passadas, as bonecas de pano ganharam um novo significado nas mãos de Helena Souza, 52, e seu grupo de artesãs O projeto Sonhos de Helenas utiliza as bonecas como ferramenta para incentivar a educação sexual e, assim, identificar e prevenir o abuso sexual infantil.

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São modelos diversos de bonecas, com diferentes cores e formatos de cabelo, para gerar identificação em meninas e mulheres de todas as formas. Dispostas sentadas em fileiras em uma pequena casa de madeira, é possível encontrar as bonecas Helena em mais de cinco endereços fixos distribuídos no Ceará – sendo o principal em uma rua que dá à Praia do Morro Branco, próximo ao Centro de Artesanato.

Natural de Fortaleza, Helena sempre trabalhou em projetos sociais, principalmente voltados para crianças. Ao se mudar para Beberibe, há nove anos, ela quis criar uma iniciativa com foco nas mulheres locais. Conseguiu uma ponta em um programa de rádio para falar de saúde e empoderamento, com o intuito de ser uma companhia para as que tinham depressão.

“Quando comecei a pesquisar e perguntar para as mulheres o que elas estavam achando, ouvi: ‘É muito legal, mas o que a gente queria mesmo era emprego e renda’”, lembra ao iG Delas. A saída apareceu quando ela conheceu o cipó de fogo, planta específica da região que pode ser usada no artesanato.

Foi nesse ofício que ela viu a oportunidade de gerar renda para outras mulheres. “Fiz oficinas de artesanato para aprender e ensinar. Até meu filho aprendeu. Fomos dando oficinas em escolas nos distritos próximos. Daí, juntei muitas mulheres artesãs. Me tornei artesã para passar isso para outras”, conta.

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O grupo começou confeccionando filtros dos sonhos e caixas de papelão. O projeto começou a prosperar, mas ela sentia falta do contato mais próximo com as crianças. Daí surgiram as bonecas, que são feitas com tecidos de velas de jangada. A artesã fala de suas Helenas com orgulho: “Elas remontam à infância das nossas avós e bisavós, de quando se tinha uma infância bem simples mas, ao mesmo tempo, muito feliz”.

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Combate ao abuso sexual infantil

As bonecas do Sonho de Helenas passaram a ganhar um significado maior: o de prevenir o abuso sexual infantil. A ideia é conversar com simplicidade, principalmente com as mães, pais e responsáveis, sobre os corpos das crianças, principalmente das meninas. Ela afirma que essa ação tão cercada de medos e tabus pode ser importante para protegê-las.

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“No início, as bonecas eram confeccionadas sem calcinha, porque era difícil de fazer. As vendas estavam crescendo e éramos poucas. Aproveitei isso para encorajar as crianças e as mães a fazerem a calcinha juntas e ensinar sobre as partes íntimas. Dizia: ‘Converse com a sua filha sobre o corpinho dela para que ela saiba que tem com quem falar sobre ele’”, orientava.

A conexão de Helena com essa pauta tem uma origem própria de muita dor. Ela mesma foi abusada quando criança, uma memória que chegou a esquecer e se lembrar na fase adulta. Mesmo sem ter conseguido identificar, ela diz que isso foi o que a manteve nos projetos sociais em que participou, já que ela sempre buscou detectar quais crianças poderiam precisar de ajuda.

Mesmo depois que entendeu a situação, demorou para contar para alguém. Só disse para a própria mãe aos 40 anos, já que o casal de idosos que cometiam os abusos eram amigos próximos da família. “Esperei para contar depois que o casal faleceu. Minha mãe passou muito mal quando soube. Nunca na vida ela imaginou”, explica.

Além do medo, Helena foi muito acometida pela vergonha e pelo medo de não ser acreditada, receios que acometem as vítimas em grande escala. “A criança é muito colocada em dúvida, porque as pessoas adultas próximas não querem acreditar que aquilo realmente aconteceu. Não dão ouvidos”, afirma.

Como exemplo, Helena se lembra de uma mulher que foi até uma das lojas e contou ter sido abusada pelo avô. Ela contou, mas a família não acreditou e o homem chegou a ser homenageado na festa de 15 anos de uma prima. “Eu ouço muitas histórias. Não tem um dia que eu não esteja lá na loja que alguém não chore no meu ombro”.

Por perceber a maneira como o abuso sexual infantil é silenciado, Helena sentiu a necessidade de expor a própria história para encorajar outras mulheres e fazer o assunto ser abordado. Muitas pessoas perguntam à Helena de onde vem a força para abordar a própria história de abuso sexual. Ela responde que o que a move é saber que outras crianças estão passando pela mesma situação que ela.

Mais de 4 mil crianças foram vítimas de violações de direitos humanos até maio deste ano, de acordo com dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). Deste número, 18% das denúncias são ligadas a abuso sexual. Só em 2021, dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apontam que 30 mil meninas de até 13 anos foram vítimas de estupro. “Não quero mais ver crianças passando por abuso. Sei que elas existem e estão sofrendo muito.”

Por mais que o projeto represente a ela uma cura, ela conta que a dor de quem viveu essa situação é sempre presente. “Tive a infância roubada. Eu não tive a oportunidade de ser criança. “Sei disso quando lembro que não conseguia fazer amigas, não conseguia brincar direito com as outras crianças. Fui submissa durante toda a minha infância e até hoje continuo sendo. Muitos sintomas das crianças abusadas são carregados para a vida adulta. Infelizmente é sobre a experiência que eu posso falar”, afirma.

“Cada mulher tem seu tempo certo, mas digo a elas para não se entristecerem caso não chegue. Eu estou aqui para representar a voz de todas essas mulheres que não puderam contar. Contar a minha história foi empoderamento, precisei de muita força para fazer isso”, continua.

Rede de proteção

Helena afirma que vê de perto a maneira como famílias acometidas pelo abuso sexual infantil ficam desestruturadas. Por isso, ela vê a prevenção como a principal ferramenta para acabar com o problema. “É preciso que as pessoas, homens e mulheres, sejam responsáveis por todas as meninas. Precisamos criar uma rede de mulheres protetoras de crianças ou esse cenário só vai andar para trás”, analisa.

Além da Praia do Morro Branco, as bonecas do Sonhos de Helenas são vendidas em diversos pontos de Fortaleza: no centro cultural Dragão do Mar, no Aeroporto Internacional Pinto Martins, e nos shopping RioMar e Aldeota. Recentemente, o grupo de artesãs foi apoiado pela Central de Artesanato do Ceará (CeArt), iniciativa governamental que passou a fomentar a geração de renda para mulheres.

As bonecas Helenas também passam por diversas feiras itinerantes de artesanato em todo Brasil – bem como a popularidade de Helena, que é convidada frequentemente para falar do projeto e dar palestras sobre a própria história. Às pessoas que se dispõem a apoiar o projeto, ela diz, se tornam uma Helena. “Esse é meu segundo nome, que adotei como primeiro. Significa ‘a que traz luz’, ‘a que ilumina’”.

Hoje, o sonho de Helena é que exista uma de suas bonecas em cada lar do Brasil. “Sonho em um dia estar bem velhinha e ver uma jovem com uma Helena, dizendo que ensinou sobre prevenção para a filha e que vai ensinar a neta. Espero muito alcançar isso. Quero que esse projeto seja reconhecido enquanto eu estiver viva”.

Fonte: IG Mulher

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