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Irmãs de Pau: “Eu não quero ser uma mulher. Eu sou uma travesti”

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iG Delas bateu um papo exclusivo com a dupla formada pelas paulistanas Vita Pereira e Isma Almeida
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iG Delas bateu um papo exclusivo com a dupla formada pelas paulistanas Vita Pereira e Isma Almeida

“Me ligou de madrugada querendo me encontrar/ Me chamou pra dar uma volta /Mas não queria beijar/ Maricona desgraçada, arromb*da do c*ralho/ Não me deu uma assistência/ E ainda quer comer meu rabo / Vou te, vou te dar surra de p*ca, dar surra de p*ca/ Travequeiro desgraçado, adora uma mulher com p*ca”.

Na canção “Travequeiro”, as Irmãs de Pau falam sobre um homem que se envolve com travestis, mas que pela masculinidade frágil, se envergonha da própria sexualidade. Com letras ácidas e sem pudor, a dupla formada pelas paulistanas Vita Pereira e Isma Almeida canta sobre a negritude e a transexualidade e constrói e destrói as narrativas do que é ser travesti no Brasil. Mas elas não são só isso…

“Nós não queremos ser marcadas apenas por sermos travestis, porque isso é justamente a transfobia atuando, querendo colocar a gente só nesse lugar, sendo que, por exemplo, nós fomos para a universidade, somos duas negras periféricas, multiartistas. A gente fala também sobre as questões políticas do Brasil, afeto, família… a nossa vida é muito ampla para falar só sobre ser travesti. Tem muita coisa para se falar, e a gente percebe que falando sobre as outras coisas também, mais pessoas vão se identificar. Se a gente atender só o público travesti, não vamos pagar as nossas contas”, diz Vita, em entrevista ao iG Delas .

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Identidade e identificação

Nascidas em São Paulo, Vita e Isma se aproximaram em 2015, durante o movimento de ocupação estudantil nas escolas públicas estaduais, contra a reorganização do ensino público proposta pelo governador Geraldo Alckmin, então no PSDB. “Acima de tudo, ter um corpo que utiliza do feminino foi o que nos uniu e fez a gente enxergar semelhanças nas nossas vivências e se juntar para conseguir enfrentar isso juntas, uma dando força para a outra. Porque é igual construir uma casa, né? Quanto mais pessoas você tem ali, mais fácil fica”, conta Isma Pereira.

“Mas não é só sobre ser travesti. A gente se identificou enquanto pessoas. Eu acho a Vita extremamente inteligente, bonita, cheirosa, amiga, sincera. Ela sabe dar conselhos, me faz rir”, discorre ela sobre a dupla. As duas acabaram se afastando depois, quando Vita foi fazer faculdade em Araraquara, no interior do estado, e Isma, em Uberlândia, Minas Gerais. Ambas cursaram pedagogia.

Com a paralisação das aulas, na pandemia, as Irmãs de Pau voltaram para a cidade de origem. Com a reaproximação e diante do sonho em realizar um projeto juntas, decidiram dar o pontapé inicial na música e lançaram seu primeiro hit, “Travequeiro”.

As Irmãs de Pau

As duas também comentaram que uma foi o apoio da outra durante o processo de transição. “De início, eu entendia que eu queria ser uma mulher, mas hoje eu não quero ser uma mulher. Eu entendi que eu não sou e nem quero ser. Não quero roubar esse lugar para mim. Eu sou uma travesti. Eu quero ter o direito de usar do feminino, eu quero poder me expressar como eu me entendo, mas eu sou uma travesti. Travesti é ser livre, é fazer o que quiser”, afirma Isma.

E nada melhor do que o nome da dupla para quebrar o gelo logo de cara… “Sim, somos travestis. Não temos problema com isso. Muitas pessoas acreditam que a gente acha que nasceu no corpo errado. E a gente quer mostrar para elas que não concorda com isso. A gente tem pau e ama o nosso corpo do jeito que ele é. A gente tem orgulho do nosso pau. Antigamente, as travestis só falavam o nome de guerra: ‘Ah, meu nome é Vitória’, ‘Meu nome é Isma’. E talvez por entender que a gente vive numa guerra, foi preciso colocar um nome à altura do enfrentamento dessa guerra. Então, o nosso nome de guerra é Irmãs de Pau”, declara Vita.

Travestis do funk

Das ocupações estudantis para cá, quase oito anos já se passaram. Desde então, a dupla de amigas se consagrou como as “novas travestis do funk”, título que carrega tamanha responsabilidade. Em 2021, as Irmãs de Pau lançaram o seu primeiro álbum, “Dotadas”, disponível nas principais plataformas de streaming.

“Na nossa performance, no nosso trabalho, a gente tenta primeiro referenciar as que vieram antes, né? É muito fácil pegar esse título agora e falar que nós somos as travestis do funk, porque nós não somos as únicas. Lacraia, Pepita, Mulher Banana… a gente tenta ao máximo respeitá-las porque elas andaram para que a gente pudesse correr hoje. E eu gosto muito de trabalhar com o funk porque ele me deixa muito livre para falar sobre o que eu vejo, sobre a minha família, a periferia, as questões sexuais, de afeto. O funk me dá a liberdade de falar de forma escrachada e eu gosto disso”, destaca Isma Almeida.

Ela diz ainda que a dupla quer encontrar novas formas de trabalhar com o ritmo. “Assim como o funk já vem mudando, ele vai continuar mudando. Talvez uma criança possa escutar, se não for assim tão direto, tão explícito. A gente tenta fazer uma coisa que passa uma mensagem, que traga reflexão, que uma mãe de família possa escutar e se identificar. A gente cresceu ouvindo funk, por mais que eu seja filha de pastor, não tinha como não escutar na quebrada. As casas eram pequenas, tocava som alto o dia todo. Era impossível não ter acesso ao funk. E eu sinto que eu estou sendo coerente com a minha história, com o que eu cresci ouvindo, com o que as pessoas da minha comunidade ouvem”.

Já Vita lembra que, por muitos anos, as travestis foram colocadas em uma posição de chacota, de ridicularização, de violência. “O nosso som, a nossa voz anasalada, é uma voz. É um som que causa rupturas. Se eles não consomem a gente, é porque eles não conseguem ouvir a nossa voz, e por isso, faz tanto sentido que a gente tenha poucas representações políticas como a gente tem no nosso país, poucas pessoas trans se formando, poucas pessoas trans ocupando lugares de poder. Não é só sobre ouvir a nossa voz, mas criar caminhos para que a gente consiga falar”.

Música nova

Agora as cantoras se lançam para novos desafios… O clipe de “Shambaralai” está em exposição em uma galeria de arte. “Eu acho que este ano vocês não vão encontrar a gente somente na música. Vão encontrar no cinema, nas artes visuais, quem sabe, no teatro”, sinalizam. As duas disseram estar trabalhando em um próximo álbum e que vem música nova em breve. Os planos também incluem “feats” (parcerias musicais), além de aquecimento para o Carnaval, inclusive, com participação em blocos de rua.

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Fonte: IG Mulher

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